quarta-feira, 15 de maio de 2024

A greve das federais

A greve na universidade e a Ciência e Tecnologia

Renato Dagnino

1.     Introdução

No dia 4 de maio, participei de uma reunião do GT de Ciência e Tecnologia do ANDES do qual faço parte representando a ADunicamp.

Neste texto, reproduzo observações que fiz ali acerca do que me parecem ser algumas das causas estruturais, relacionadas à política cognitiva (conceito com o qual enfeixo as Políticas de Educação e a de CTI), que levam à situação enfrentada pelas universidades federais atualmente em greve.
Utilizo como referência a metáfora dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Cientificismo, Produtivismo, Inovacionismo e Empreendedorismo), que uso nas minhas aulas de Política Científica e Tecnológica por considerar que eles estão invadindo quase sem resistência a universidade pública.
Eles são considerados pelos que os engendraram ou apoiam, claro que sem a conotação negativa que lhes atribuo, como arautos da universidade do futuro; como uma espécie de bandeirantes desbravadores que lideram uma modernização que conduzirá o País a um estágio superior de desenvolvimento.
Por outr@s colegas, a quem dirijo este texto, os Cavaleiros são vistos como uma distorção passível de ser tolerada e aceita. Afinal, eles não se aparentam com o negacionismo, o fascismo e os ataques dos que estão privatizando o ensino superior.

Uma terceira parcela, ainda minoritária e entre os quais me incluo, não os considera como meras distorções, mas como perversões a serem mais bem entendidas e combatidas.

Concentro-me em dois desses Cavaleiros: o Produtivismo e o Inovacionismo. Em primeiro lugar, por que dois temas importantes encaminhados ao GT pelo conjunto do movimento docente, relacionados ao que denominam orientação empresarial de nossas agendas de ensino, pesquisa e extensão, guardam estreita relação com esses dois Cavaleiros. Em segundo lugar por que, dado que por dever de ofício tenho analisado exaustivamente suas implicações, considero que minhas observações podem ser úteis.
Embora minha universidade não estivesse em greve, argumentei que o resultado da discussão que tivemos acerca do que relato aqui deveria ser encaminhado ao comando de greve para serem incluídos nas aulas públicas e outras atividades da greve. E é por isso que escrevi este texto.

O ambiente em que estávamos me permitiu o uso de uma linguagem franca e ideologicamente referenciada aos valores e interesses dos docentes de esquerda e contaminada com conceitos que pertencem ao léxico do nosso movimento; desculpo-me por eles serem aqui empregados.

Embora reconheça que eles devessem ser mais bem explicados para um público mais amplo, penso que as companheiras e companheiros das nossas instituições de ensino e pesquisa que quero despertar para a problemática que trato (desculpando-me antecipadamente por não apresentar aqui a “solucionática” que venho formulando) me irão entender.


2.     Sobre o Produtivismo

Para melhor explicar este Cavaleiro haveria que tratar do primeiro, o Cientificismo. Aquele que, apoiado no mito transideológico da neutralidade do conhecimento tecnocientífico ainda aceito pelos nossos pares de esquerda (inclusive pelos marxistas ortodoxos), faz com que se subordinem a uma política cognitiva hegemonicamente elaborada pela nossa elite científica e “seus” tecnocratas.
Apesar de emular a dinâmica da Tecnociência Capitalista que, todos sabemos, é portadora de “Sete Pecados Capitais” (deterioração programada, obsolescência planejada, desempenho ilusório e limitante, consumismo exacerbado, degradação ambiental, adoecimento sistêmico e sofrimento psíquico), ela faz com que a sigamos “professorando”.

O Cientificismo, ao induzir à reprodução de agendas de ensino, pesquisa e extensão concebidas no Norte global, faz com que nos sujeitemos à guerra em que lá se envolvem, “inexatos” e “desumanos”, usando como arma a sua “produção científica”, para competir pelo recurso alocado, majoritariamente pelo governo, a suas atividades.

Competição que, ao fim e ao cabo, pode lá promover o “transbordamento socioeconômico” resultante da destinação de recurso governamental para P&D empresarial. E que pode influenciar na seleção feita pelas empresas a respeito de onde vão gastar a ínfima parte de seu orçamento de P&D que destinam a projetos conjuntos com a universidade.

Antes de examinar como isso se reflete entre nós, vale exemplificar o que ocorre por lá. O exemplo sempre citado são os EUA. Segundo pensam os fazedores da nossa política, essa guerra alavancaria recurso significativo para a universidade. Mas, o que ali é captado para a realização de projetos conjuntos corresponde a apenas 1% do custo da sua universidade. O que mostra o quão equivocada está a elite científica e “seus” tecnocratas a respeito da possibilidade de que nossa universidade, situada na periferia do capitalismo e cujas empresas bem conhecemos, possa vir a financiar uma parte importante de seu custo por essa via.

Evidencia esse equívoco o fato de nossos MITs, ao contrário do que lá ocorre, onde 20% do orçamento vem de projetos conjuntos com empresas, este valor (como mostra o que ocorre na Unicamp) sequer ultrapasse aquela média estadunidense de 1% .

A absurda “jabuticaba” do patenteamento universitário e outras formas de indução de um comportamento competitivo entre os docentes, para assim reforçar a orientação de agendas de ensino, pesquisa e extensão na direção daquilo que a elite científica alega ser a demanda tecnocientífica das nossas empresas, devem ser compreendidas como consequência dessa cadeia Cientificismo-Produtivismo.

Evidências como que aqui se aponta poderiam estar embasando iniciativas do movimento docente no sentido de um questionamento mais qualificado dessa cadeia.

Não obstante, o que se vê é um protesto restrito ao espaço dos “corredores”, orientado a instituições como a Capes, o CNPq ou as FAPs. Como se elas não estivessem desde sempre orientadas por nossos colegas e ex-alunos com os quais, é importante salientar, nunca discutimos em nossas reuniões de departamento etc., e em nossas aulas e laboratórios, essas questões.

Aparece como elemento externo uma reclamação contra a empresa local. Ela nos estaria pressionando para que nossas agendas e ensino, pesquisa e extensão reproduzissem aquelas das universidades do Norte visando a utilizar o conhecimento que produzimos em seu benefício. O que, como se aborda em seguida, contraria toda a evidência disponível.

Predomina, de qualquer forma, uma associação indevida entre o necessário e salutar procedimento das professoras e professores universitários, de divulgar o resultado de seu trabalho entre seus pares e para a sociedade em geral (a sua produção científica ), e a perversão que envolve o Produtivismo.

Por não se ter elementos analítico-conceituais e informação empírica como os que se estão aqui indicando, não se está identificando essa associação como indevida. Ao contrário, se interpreta essa perversão como uma mera distorção em relação àquele justo procedimento; como uma exacerbação derivada de equívocos, de vieses e preconceitos profissionais, ou “má-vontades” de burocratas desinformados da realidade que enfrentam.

Isso termina por fazer com que colegas de esquerda aceitem o Produtivismo como uma retribuição, ou uma espécie de prestação de contas de nossa atividade docente (ou melhor, de nossa “produção científica”, como artigos, patentes, etc.) ao povo pobre que paga o imposto que mantém os laboratórios equipados, o ar-condicionado funcionando e o pagamento do salário.

Há, portanto, que considerar a hipótese de que essa perversão seja derivada do modelo adotado pela elite científica que, hegemonicamente, elabora (formula, implementa e avalia) nossa política cognitiva visando a emular aqui, na periferia do capitalismo, o que ela idealiza como sendo a realidade dos países centrais.

3.     Sobre o Inovacionismo

Também em relação a este segundo Cavaleiro há carências de informação.
A primeira, é que ele pouca relação guarda com o que @s colegas que o engendram alegam ocorrer nos países centrais tomados como modelo.

Uma outra decorrência dessa olhada para o ambiente da política cognitiva dos EUA mostra que, por casualidade, o recurso captado pela universidade para a realização de projetos conjuntos com empresas corresponde, também, a apenas 1% do que elas gastam com P&D. O que permite afirmar que o conhecimento resultante da pesquisa universitária, que é o que motivaria a empresa estadunidense para a realização de projetos conjuntos, não é atrativo para ela. Que não é isso o que elas querem da universidade; que não é por isso que elas concordam, com o poder que possuem de influenciar o governo estadunidense, que uma parte considerável do gasto público para a pesquisa se oriente para a universidade.

Por extensão, é possível supor que, com mais razão, nossa empresa local não teria por que se interessar por esse conhecimento. Nossa condição periférica condiciona, por um lado, uma dependência cultural que engendra um padrão de consumo imitativo que demanda bens e serviços já engenheirados nos países centrais. E, por outro, faz com que a opção economicamente racional para a empresa seja a extração de mais-valia absoluta (e não a de mais-valia relativa) condicionando uma escassa propensão à inovação e, menos ainda, à pesquisa empresarial.

De fato, tal como lá ocorre, é desprezível o número de empresas inovadoras locais que consideram importante para sua estratégia inovativa, a realização de projetos conjuntos com a universidade.
A segunda incompreensão, decorre da anterior. Ela tem a ver com a percepção de que a realização de projetos conjuntos de interesse de empresas estaria orientando nossas agendas de ensino e pesquisa, especialmente as da pós-graduação nas ciências duras, num sentido adverso à natureza da universidade pública.

Uma análise, mesmo que superficial, permite constatar como essa percepção é equivocada: essas agendas, pela própria natureza fundacional de enclave de nossa universidade, sempre estiveram orientadas por aquilo que, no Norte, é o interesse empresarial. Ou seja, que mesmo que houvesse por parte da empresa local, contrariando o que é a norma nos países centrais, um interesse na realização de projetos conjuntos com a universidade, isto não iria influenciar significativamente nossas agendas. E que, ao contrário, são interesses conservadores, internos à universidade, os que mantêm sua inadequação ao projeto político da esquerda universitária.

A terceira incompreensão deriva de mais um desconhecimento a respeito de como efetivamente se dá a relação universidade-empresa nos países centrais. É aqui majoritariamente aceita a ideia de que ela ocorre da maneira como alega e dissemina a elite científica e “seus” tecnocratas. Isto é, pela via da transferência de conhecimento originado na pesquisa universitária ou na criação de empresas de professores ou alunos nas incubadoras; e por isso elas e suas startups derivadas da ação do quarto Cavaleiro do Apocalipse, o Empreendedorismo, deveriam ser (como o são) vigorosamente estimuladas.

De novo, para contrastar com nossa realidade, vale lembrar o caso dos EUA. Lá, ao contrário do que aqui se alega, não é o conhecimento resultante da pesquisa universitária o que interessa à empresa (o que implicaria na realização de projetos conjuntos) e sim o conhecimento incorporado nas pessoas formadas mediante essa pesquisa. De fato, mais da metade dos mestres e doutores formados em ciência dura nos EUA são contratados, a cada ano, pelas empresas para realizarem P&D nos seus laboratórios; afinal, é para isto que, em todo o mundo, eles são formados.

Aqui, entre 2006 e 2008 (e tomo este período por que foi o último em que o País esteve “bombando” e os empresários ganhando muito dinheiro), a elite científica esperava que eles fossem contratar os noventa mil que formamos nesses três anos. O fato de que foram contratados apenas sessenta e oito deles para fazer P&D nas nossas empresas inovadoras, é suficiente (mas há muitos outros) para mostrar a disfuncionalidade, mesmo que apenas para obtenção de lucro empresarial, da nossa política cognitiva .
A empresa local, por não precisar fazer pesquisa, não tem porque se preocupar com o resultado da pesquisa que se faz na universidade; seja o desincorporado (como ocorre no Norte), seja o incorporado em pessoas (ao contrário do que lá ocorre).

Na realidade, 80% das empresas inovadoras, quando perguntadas sobre quais das cinco atividades inovativas é mais importantes para sua estratégia de inovação respondem que é a aquisição de máquinas e equipamentos. Como apontado antes, isso é uma consequência óbvia do mercado imitativo que temos.
Não é plausível a ideia genérica de que a empresa se interesse em se imiscuir no conteúdo de nossa pesquisa. Esse conteúdo permanece pouco funcional ao que deveria ser a universidade pública devido a uma dinâmica que, apesar de interna à universidade, é condicionada pela nossa política cognitiva. O que não significa que não existam exceções a esse comportamento típico da periferia; o ímpeto privatizante neoliberal os têm tornado cada vez mais frequentes. Estudos sobe sua motivação mostram e ela está enraizada no interesse específico dos mesmos atores que, atuando agora “de baixo para cima”, participam de elaboração da política cognitiva.  

Reitero que, ao contrário do que ainda é o pensamento majoritário no âmbito da esquerda, o Inovacionismo não decorre de uma pressão da empresa local para que assuntos de seu interesse sejam pesquisados na universidade. Que não é devido a uma busca das empresas por aumentar seu lucro que as agendas de ensino, pesquisa e extensão que “professoramos” sigam orientadas para conteúdos que ainda se mantêm importantes nos países centrais. Mas que aqui estão longe de serem coerentes com as demandas tecnocientíficas embutidas nos bens e serviços que satisfazem necessidades coletivas desatendidas.

E que, ao contrário também da interpretação dominante no âmbito da esquerda, a complementação salarial e os outros benefícios que buscam (e que quando obtêm tendem a se ausentar das greves!), não provém de recursos das empresas. É o fundo público que direta ou indiretamente (quando o recurso governamental alocado à empresa exige relação com a universidade), que se transmuta em pagamento de professores e alunos. A ínfima participação da empresa no financiamento daqueles arranjos endógenos e exógenos não permite que sigamos imputando a uma privatização da universidade o que estamos presenciando. O que estamos presenciando no nosso meio é um misto não menos perverso de “oessização” e parceria público-privada. 

4.     Conclusão

Por considerar que momentos de greve devem ser usados pelos trabalhadores e trabalhadoras para analisar as causas que conduzem às suas reivindicações e que uma greve geral é uma conjuntura ímpar para explicar à sociedade (particularmente às famílias dos alunos e aos fazedores de política) as causas estruturais da situação em que nos encontramos, acho que os dois temas aqui abordados devem ser nela discutidos.
É necessário que o movimento docente de esquerda mostre à sociedade que, na universidade, não somos todos iguais. Que há docentes, muitos dos quais se intitulam de esquerda, que são responsáveis pela manutenção e reprodução dessas duas perversões. Que são eles que, com o poder que lhes confere o mito transideológico da neutralidade da tecnociência capitalista, exacerbado pela nossa condição periférica, os que conscientemente ou não, mantêm a institucionalidade da política cognitiva, interna e externa à universidade, que realimenta as causas estruturais que dificultam a implementação do projeto da esquerda universitária.

É a pressão de colegas que se autodenominam “pesquisadores empreendedores” para legitimar sua atividade mediante os arranjos institucionais que engendram endógena e exógenamente à universidade, os arautos dos Cavaleiros do Apocalipse. E é sua habilidade de compor com a tradicional elite científica que assegura a manutenção da política cognitiva que impede que a universidade se legitime junto ao povo que a torna possível. Sua reação pervasiva e nem sempre apenas velada à ação dos “pesquisadores extensionistas”, focados no reprojetamento e na adequação sociotécnica da tecnociência capitalista na direção da tecnociência solidária (o melhor caminho para reorientar nossas agendas!), é um poderoso empecilho à superação da universidade operacional de que nos fala nossa mestra Marilena Chauí.


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sábado, 11 de maio de 2024

Reconstrução Solidária do Rio Grande do Sul

Pela criação de uma força-tarefa para a Reconstrução Solidária do Rio Grande do Sul

                                                                                                   

 Renato Dagnino


Como era de se esperar, vêm crescendo, especialmente no âmbito da esquerda, as denúncias sobre as causas de natureza política da catástrofe que aflige os gaúchos.

Em paralelo ao esforço para amenizar a dor do povo mais pobre, que é aquele que mais sofre, essas denúncias tenderão a levar à punição dos responsáveis e a ações de governo para evitar sua repetição.

Cresce também a consciência de que não são aqueles que pertencem à classe trabalhadora, e sim os que integram a classe proprietária, seus políticos e suas empresas (em particular aquelas do agronegócio e da especulação imobiliária), os responsáveis pelo agravamento do efeito das chuvas.

A materialização dessa consciência deve impedir que, ao contrário do que normalmente ocorre, “à medida que a água vai baixando”, sejam as empresas as que se beneficiem, através da exploração da classe trabalhadora, com o processo de reconstrução.

Todos sabemos que, cada vez que uma guerra termina, são aqueles que derrotaram o povo que com ela sofreu, que se favorecem com lucro que a reconstrução lhes proporciona.

Muitos seguem acreditando que é através de processos que sucedem a “destruição criadora” causada pela guerra entre empresas, que as inovadoras, ao colocarem no mercado os bens e serviços que os menos capazes deixaram de produzir, são as que lucram com a reconstrução que explora a classe trabalhadora.

Não é razoável que neste momento de dolorosa tomada de consciência da sociedade, a esquerda se exima de implementar uma alternativa de reconstrução que materialize o desejo de todos, de favorecer os que mais estão sofrendo, os que, literalmente, “perderam tudo”.

Todos sabemos que são eles que melhor sabem identificar, sobretudo por que, ao contrário do que ocorre com a classe proprietária e suas empresas, ainda sabem operar de modo solidário, autogestionário, participativo e no interesse do coletivo, o que é necessário priorizar.

E, também, a julgar por dados empíricos, como o de que 70% do cimento produzido no País é comercializado “no picadinho”, ou seja, para os mutirões, os que podem com vantagens em relação às empresas (que se apossam dos quase 18% do PIB da compra pública), participar da reconstrução.

A qual deve ser efetivada como já ocorre na agricultura familiar em que o MST, com seus quadros primorosamente qualificados, vem reprojetando a tecnociência capitalista na direção da Tecnociência Solidária.

Generalizando, vale mencionar muitas vantagens que possui a Economia Solidária. Por um lado, as associadas ao cerceamento do lucro abusivo, da sonegação, da corrupção, do desperdício, do desrespeito às normas técnicas etc. que caracterizam o comportamento empresarial.

Por outro, aquelas que, ao privilegiar as redes de produção, consumo e financiamento da Economia Solidária, o Estado poderia reorientando seu poder de compra, proporcionar à sociedade: aquelas de tipo social, econômico, ambiental etc. Isso para não falar das de natureza política, ideológica, de governabilidade do governo eleito etc.

Não é razoável que essa tomada de consciência seja desaproveitada e que o recurso público destinado à reconstrução flua na direção daqueles que dele já absorvem 6% do PIB de serviço da dívida pública, 5% de renúncia fiscal, 10% de sonegação etc.

Não é razoável que no momento em que as pessoas boas estão ainda voltadas para amenizar a dor do povo, se permita que os poderosos fiquem livres para, como fizeram na Covid, “ir passando a boiada” para lucrar com as desgraças que ajudaram a causar.

Está crescendo o apoio para a imediata criação de uma força-tarefa formada por agentes governamentais e integrantes do movimento de Economia Solidária para formular e implementar um Plano de Reconstrução Solidária.

Sua primeira atividade, de formulação, será: (1) a identificação dos bens e serviços cuja produção e distribuição pode ser efetivada imediatamente pelas redes de Economia Solidária e (2) aquela que, em curto prazo, pode ocorrer com o concurso de trabalhadoras e trabalhadores das instituições de ensino e pesquisa públicas (em especial, em função do engajamento que já possuem, dos Institutos Federais). 

Em simultâneo, as atividades de implementação serão iniciadas mediante a mobilização de agentes governamentais, integrantes do movimento de Economia Solidária e de organizações dispostas a participar das atividades a serem realizadas. Para facilitar a alocação direta do recurso público para as trabalhadoras e trabalhadores envolvidos com a produção e a distribuição (quando for o caso) dos bens e serviços e, em muitos casos com o seu consumo imediato, será utilizada a rede de bancos comunitários.

Está crescendo a percepção de que a forma mais rápida e eficaz para a reconstrução é a mobilização das redes de Economia Solidária para, mediante a compra pública, produzir os bens e serviços necessários.

A Economia Solidária pode ser decisiva para a reconstrução do Rio Grande do Sul.

Pela criação de uma força-tarefa para a Reconstrução Solidária do Rio Grande do Sul!


Créditos:

https://x.com/Aterraredonda1/status/1789023838593798582

 

quarta-feira, 27 de março de 2024

relação universidade empresa - renato dagnino

 👀👀


tudo bem aí?

no dia 19 ouvi a Fernanda de Negri e o Pacheco declararem mais de uma vez que a relação universidade empresa não é o maior gargalo da ciência tecnologia inovação brasileira.

ou seja, que essa relação (entendida como o é, pela pela elite científica e sua tecnocracia, baseada em incubadoras, parques e Startups, (Esclareço EU) não merecem ser estimuladas, uma vez que não irão solucionar nenhum “gargalo “ importante da PCTI.

 e que a ênfase nas patentes universitárias é uma exceção e, também, que essa relação ocorre na base de uma pirâmide de um antigo artigo da oecd que o Pacheco leu, através da contratação de pesquisadores. E só no cume da pirâmide aparece o que aqui a elite científica entende por relação universidade empresa (Esclareço Eu) está a realização de projetos conjuntos, transferência de resultados de pesquisa universitária. Ou seja o que chamamos de conhecimento desincorporado, etc. .

E, também que a universidade dos EUA recebe apenas o equivalente ao seis por cento de sua verba de pesquisa com este tipo de atividade. E, também que, do lado das empresas, apenas dois por cento do que elas gastam em pesquisa é contratado com a universidade e institutos de pesquisa.

Fernanda deu entender, também, que as empresas não contratam nossos doutores e que se formarmos mais poderemos fazer algo que não queremos: produzir doutores desempregados.

ou seja, aquilo que nós estamos dizendo HÁ MUITO TEMPO, foi reconhecido por eles.

isso pode provocar um ponto de viagem da nossa PCTI. Isso, é claro se o PCdoB souber decodificar a realidade, como estamos fazendo, e tiver interesse em revisar seu quadro de alianças e a possibilidade de novos policy coalitions.

estou escrevendo um artigo a respeito.

outro ponto importante é perceber o verdadeiro “carnaval “ em torno da quinta conferência.

iniciativas de participação patrocinadas pelo governo ou “brotadas “ do tecido social, e representando a voz de todos (Vox Populi...) atingem 1° alucinante.

em que vai resultar deste “participacionismo“, você pode imaginar...

se você lembrar, aquilo que saiu como proposta do setorial do PT de C&T e TI (a única se bem me lembro!) para a comissão de transição, foi aquela nossa proposta de criar um canal de comunicação entre a direção do Ministério e as trabalhadoras e trabalhadores do conhecimento. A partir daí, identificar-se-iam as demandas tecnocientíficas a serem “ traduzidas“ em agendas de ensino, pesquisa e extensão a serem inseridas o complexo de ensino e pesquisa público via implementação de recurso público.

vale a pena constatar como também neste caso, houve uma leitura daquilo que nós estamos falando há muito tempo.

foi entendido que deveria haver uma maior participação na agenda governamental daquilo que pode ser atribuído (pelas vias tortas da política) as demandas da “sociedade”.

oportunísticamente, essa atenção, esse aprendizado, se desdobra como o participacionismo a que fiz referência.

o que nos permitiria afirmar, como já fiz em relação à NIB, que a quinta Conferência é também uma política simbólica.

 

abraço solidário



domingo, 5 de novembro de 2023

ECONOMIA SOLIDÁRIA

 

COMO FAZER PARA QUE A ECONOMIA SOLIDÁRIA POSSA ENTRAR NAS ESCOLAS DE ECONOMIA?

 

Renato Dagnino


 1.    Introdução metodológica

Responder esta pergunta supõe uma estratégia que mais além daquilo que esse texto pode conceber. Na impossibilidade de apresentar uma “solucionática” o que ele pretende fazer é um diagnóstico da problemática. Para isso, ele se concentra numa indagação metodologicamente anterior que é o primeiro passo para chegar lá: por que a Economia Solidária não está entrando na agenda das escolas de Economia?

É plausível pensar que a agenda de ensino, pesquisa extensão dessas escolas (daqui para frente, simplesmente, agenda, em itálico) decorra de uma interação entre sistemas complexos de natureza social, econômica, produtiva, política (policy e politics).

Prosseguindo com o enfoque sistêmico, concentro minha atenção na análise de dois sistemas (conceito que, destaco, se diferencia daquele de setores econômicos). A ideia de que o sistema economia solidária cresce nos interstícios de menor lucratividade do sistema economia capitalista, embora grosseira e imprecisa, é útil para modelizar sistemicamente a pergunta que pretendo ajudar a responder.

Explorá-la, implica averiguar a correlação de forças entre dois atores situados no ambiente do ensino superior, incluindo aqui as IFs que se ramificam para o ensino médio (o qual me refiro, daqui para frente e simplesmente, como universidade). O grupo dos que estão satisfeitos com o estado atual da agenda e os que possuem razões de natureza acadêmica para alterá-la para, nos limites de sua governabilidade e por esta via, chegar a remover os obstáculos de natureza cognitiva à expansão do sistema economia solidária.

Entendo por razões acadêmicas aquelas derivadas de questões estritamente disciplinares. Fundamentalmente, as que questionam a síndrome do arquipélago: a universidade é um conjunto de ilhas onde habitam “inexatos” ou “desumanos” que não desejam ou não conseguem construir pontes. E que aparecem mescladas com posicionamentos ideológicos que postulam uma missão institucional voltada para a demanda cognitiva dos pobres.

Para averiguar aquela correlação de forças vou caracterizar aqueles dois sistemas que integram nossa economia capitalista periférica. É de sua interação que, em última instância, são gerados os obstáculos cognitivos e as razões acadêmicas que deles decorrem.

Há sobrada evidência acerca da extrema concentração de propriedade e de renda e do viés da estrutura estatal que garante e legitima o sistema economia capitalista, baseado na propriedade privada dos meios de produção, na competição e na heterogestão. Por isso, me eximo de comentá-lo e me concentro na análise do sistema economia solidária, baseado na propriedade coletiva dos meios de produção, na solidariedade e na autogestão. Também, em favor da brevidade, não justifico aqui a relevância da proposta da Tecnociência Solidária como um marco analítico-conceitual que, pelo seu foco no espaço cognitivo, para a mudança da agenda que esta coletânea busca desencadear.

2.    Introdução histórico-conceitual

A Primeira Semana Social Brasileira, em 1991, que teve como tema “Mundo do trabalho, desafios e perspectivas”, registrou o apoio da Cáritas, das pastorais sociais e de sindicatos a grupos de economia popular solidária.

A Economia Solidária (ES), como conceito, apareceu no Brasil em 1996 em artigo publicado na Folha de São Paulo por Paul Singer. Desde então, apareceram bem mais de uma centena de livros, artigos, dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre o tema.

No âmbito acadêmico, devido a uma intenção de contrabalançar o viés fomentado pelas incubadoras de empresas e Núcleos de Inovação Tecnológica, a ES aparece com a criação da primeira incubadora tecnológica de cooperativas populares, na UFRJ, em 1995. Essa iniciativa funcionou como uma espécie de modelo para as que passaram a funcionar em mais de uma centena de universidades mediante apoio governamental.

Como política pública, a ES surge em 2003 com a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sob a coordenação de Paul Singer. A partir de então, até o golpe de 2016, apareceram o Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários, os conselhos de Economia Solidária em vários governos estaduais, os Centros de Formação, a Agência de Desenvolvimento Solidário, as leis estaduais e municipais, a Política Nacional de Economia Solidária, o Sistema Nacional de Economia Solidária, etc. Centenas de projetos visando a apoiar os empreendimentos que iam “brotando” pela mobilização do movimento da ES foram financiados. Embora esse conjunto de iniciativas já estivesse perdendo força, foi o golpe de 2016 que precipitou o seu desmonte. Sucedendo a um importante debate ocorrido em 2022 acerca de como introduzir a ES de modo transversal e sistêmico na política pública, foi criada em 2023, novamente no MTE, a Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária.

No nosso tecido econômico, a ES se organiza mediante uma infinidade de redes de produção e consumo, bancos comunitários, moedas sociais, etc. que, apesar de não contarem com subsídio governamental semelhante àquele que recebem as empresas, crescem no interstícios de menor lucratividade do sistema economia capitalista

Como movimento social, ela funciona como uma espécie de correia de transmissão entre esses dois âmbitos (o econômico e o da política pública), em numerosos fóruns de abrangência municipal, estadual e nacional onde se discutem as ações dos empreendimentos solidários, suas demandas, e se busca encaminhar suas propostas junto ao governo.

No âmbito político, a ES se expressa por meio de grupos como o Núcleo de Apoio às Políticas Públicas da Fundação Perseu Abramo e as Setoriais estaduais e nacional de Economia Solidária do PT. E, na esfera parlamentar, na criação de várias frentes de legisladores dispostos a apoiar o sistema economia solidária.

No âmbito do Conselho Federal de Economia, com a criação do grupo que auspicia a elaboração deste texto, se inicia um processo que, aproveitando os terrenos férteis identificar, pode contribuir decisivamente para a alteração da agenda.

3.    Obstáculos cognitivos exógenos

Embora ideias e teorias alinhadas com aquilo que chamamos hoje de ES sejam tão velhas quanto o próprio capitalismo, e que eventos transcorridos durante a Comuna de Paris, a Guerra Civil Espanhola, a Revolução dos Cravos, e o Chile de Allende tenham assinalado alternativas a ele, a hegemonia do sistema economia capitalista não permitiu que ela penetrasse no âmbito acadêmico.

Há que reconhecer que depois do reinado Keynesiano da época de ouro do Estado do Bem-estar, do pouco sucesso da experiência socialdemocrata e do impacto do inovacionismo neoschumpeteriano patrocinado pela a avalanche do neoliberalismo, pouco ali sobrou do pensamento crítico aparentado com o marxismo, que pudesse colocar a ES na agenda.

4.    Obstáculos cognitivos endógenos

Por estarmos situados num território periférico cujas elites se auto infligem uma cômoda e funcional condição de dependência cultural (e, portanto, acadêmica) era de se esperar, por aqui, algo semelhante ao que se apontou.

Apesar de ter um sido um território prenhe de poderosas contribuições revolucionárias nas Ciências Humanas, e em particular na Economia, focadas nas implicações socioeconômicas da condição periférica, pouco sobrou para ser mobilizado no sentido que nos interessa.

O impacto daquela avalanche neoliberal em nossa universidade pública, e nela me concentro por razões óbvias, a tornou um polo irradiador das ideias, teorias, best practices, successful cases, benchmarkings, e outros instrumentos metodológico-operacionais empresariais aderentes ao seu marco analítico-conceitual e, por isto, coerentes com a reprodução dos valores e interesses do sistema economia capitalista.

O que, no limite, faz com que mesmo professores que são partidários da ES e até os que militam no campo da extensão atuem, por desconhecimento, em consonância com uma agenda pouco coerente com os valores interesses do sistema economia solidária

Por considerar os obstáculos cognitivos como sendo os fundacionais e, também, os mais importantes, a serem atacados para a modificação da agenda, e por ser a universidade pública o locus onde deve ocorrer essa transformação, é intuitiva a ideia de que é nela que deve concentrar-se a ação do Cofecon. No que segue, depois de analisar elementos ainda pouco tratados, indico algumas mediações a essa ação.

5.    Movimentos centrífugos e centrípetos

Para ir concluindo na direção da pergunta de “como remover os obstáculos cognitivos?” resgato uma crítica que tenho feito à atuação dos partidários de movimentos contra-hegemônicos na universidade. Ela aborda o que eu tenho me referido, para analisar casos semelhantes ao da ES, como um movimento centrífugo. Este movimento, que afasta os atores descontentes do centro do círculo de poder da universidade em que se disputa a hegemonia acerca de sua orientação, é justificado por eles como necessário para gerar um espaço de acumulação de forças. Ou, mais pragmaticamente, como uma alternativa que permite, em conjunto com seus pares que com eles comungam orientações cognitivas e razões acadêmicas, a realização profissional que merecem.

O movimento centrípeto focado na disputa por hegemonia no âmbito desse círculo de poder é preterido. Uma falsa moral defendida pelos que querem manter o status quo que alegam querer preservar a pluralidade, autonomia e liberdade de cátedra, potencializam o movimento centrífugo. O movimento centrípeto, potencialmente capaz de melhor aproveitar a energia desses atores insatisfeitos e cooptar seus pares para uma via distinta, ao ser desqualificado, os leva a não se envolver com a modificação da sua agenda, hoje aderente ao sistema de economia capitalista.

Ao invés de atuar politicamente no sentido de orientar essa agenda na direção do sistema economia solidária e, em particular, ao que tenho denominado, particularizando o espaço cognitivo, de Tecnociência Solidária, esses partidários da ES têm se afastado deste centro. Muitas vezes por razões compreensíveis de “sobrevivência” eles buscam outros locii, como, por exemplo, as incubadoras. Ali se desenvolve, devido à atuação de alunos e escassos professores (na sua quase totalidade provenientes das ciências humanas e dedicados à extensão), um notável processo teórico-prático de mudança de agenda. Em que pese o seu caráter importante, criativo e revolucionário, ele se limita ao escasso número de alunos que, insatisfeitos com o conhecimento que vem recebendo, se aproxima das incubadoras.

O processo em curso, de curricularização da extensão, é uma “janela de oportunidade” fundamental a ser aproveitada para desencadear um movimento centrípeto orientado à disputa de hegemonia contra aqueles que, alegando aquela falsa moral, defendem a manutenção da agenda da economia do sistema economia capitalista no âmbito da universidade pública. E, também, à sedução e cooptação daqueles que ainda ignoram as alternativas a essa agenda que há três décadas vem sendo concebidas naqueles diferentes âmbitos mencionados na seção de Introdução analítico-conceitual.

6.    Como remover os obstáculos cognitivos?: olhando para trás

Há muito ocorrem na América Latina movimentos centrípetos visando a evitar a reprodução acrítica (e em grande medida auto-imposta devido à crença no mito transideológico da neutralidade e do determinismo da tecnociência) da agenda de ensino, pesquisa e extensão praticada nos países centrais.

Um dos movimentos mais bem estruturado e mais importante para o objetivo deste texto, embora não tenha alcançado muito êxito, é o desencadeado pelo Pensamento Latino-americano em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PLACTS). Já na década de setenta, ele propunha mudanças na agenda orientadas à geração de conhecimento aderente a um projeto nacional que visava à soberania em relação aos países centrais e ao atendimento das “necessidades básicas” da população. A avaliação que faço do acerto com que seus fundadores conduziram os momentos descritivo e explicativo de sua análise é tão positiva que é nela em que eu me apoio para a elaboração do marco analítico conceitual que origina a proposta da Tecnociência Solidária.

Em relação ao momento normativo, entretanto, minha avaliação é distinta. A circunstância em que vivia a América Latina, levou a que o PLACTS, embora reconhecesse as limitações (evidenciadas pela Teoria da Dependência) que o imperialismo e a classe proprietária colocavam ao que desejavam, não conseguiu a adesão da universidade para alterar sua agenda.

Naquela circunstância, uma esquerda dividida entre um projeto de adesão a uma burguesia nacional supostamente capaz de enfrentar-se ao imperialismo e outro, que propunha a luta armada, a questão da mudança da agenda não foi abordada de modo consequente. O primeiro projeto tinha como ator central a empresa nacional. Contudo, para atender ao consumo imitativo de bens e serviços já engenheirados no Norte, ela não precisava inovar (explorar mais-valia relativa) como lá tipicamente funciona o capitalismo. Pelo contrário, as empresas locais podem seguir aproveitando-se da possibilidade mais cômoda de usufruir da mais-valia absoluta que a variante espoliadora do capitalismo periférico que engendra sua classe proprietária e “seu” Estado. O fato de que o projeto que persiste até agora com diferentes designações (nacional desenvolvimentismo, etc.), e de que permanece vigente o mito transideológico da neutralidade e do determinismo da tecnociência, explica, em última instância, porque a questão da agenda permaneceu afastada da política universitária.

7.    Como remover os obstáculos cognitivos?: olhando para frente

A Introdução histórico-conceitual indica uma mudança nessa situação. Um marco analítico-conceitual que renova o PLACTS e o pensamento de autores estrangeiros e, principalmente, nacionais (como Paulo Freire e Darcy Ribeiro), e o surgimento de um novo ator, o movimento da ES, podem alterar a correlação de forças em favor daqueles que querem mudar a agenda.

Entre os muitos fatores que contribuem para o fortalecimento desse novo ator, está um ameaçadoramente atual, a consciência acerca da necessidade de superar o agravamento da crise sistêmica do capitalismo. E também o fato de que no nível individual estrito, do seu negócio, a empresa, mesmo que se dispusesse fazê-lo, é incapaz de internalizar as externalidades negativas que vem causando. A que o fizer contrariando a lógica atomizada e intrinsecamente egoísta que a rege, será excluída do mercado por não conseguir transferir seu maior custo de produção ao preço.

Mas entre esses fatores, o que quero ressaltar, dada sua característica de um possível “fato portador de futuro” para a promoção da mudança da agenda, é a existência de um governo em que muitos de seus dirigentes de esquerda, sobretudo os que estudaram algo de Economia, pertencem a uma geração que conheceu e valorizou a ES.

Para mobilizá-los, o Cofecon deveria, em primeiro lugar, considerar que talvez seja a necessidade de contemplar o interesse de outros integrantes da coalizão de governo, o que explique o fato de eles não estarem ainda atuando de forma suficientemente incisiva.

Alguns deles não têm ressaltado a especificidade do sistema economia solidária e o mencionam de modo indiferenciado em relação a propostas como a da economia criativa, circular, popular, verde, de impacto ou sustentável que, na realidade atendem a outros interesses e valores. Enredados na contumaz armadilha socialdemocrata de tentar eficientizar o sistema economia capitalista para poder financiar políticas socializantes, não levam em conta a importância da orientação dos volumosos recursos da compra pública para a ES. Crescentemente entendida pelos partidários da ES como a principal forma de expandir e consolidar suas redes de produção e consumo e, dessa maneira, aproveitar seu papel indutor de um estilo de desenvolvimento mais justo, sustentável, ela é vista, ademais, como garantidora da governabilidade que precisa o atual governo.

Há que fazer com que esses dirigentes políticos materializem seu grande poder de alavancagem de mudança da agenda. Junto com os setores mais diretamente envolvidos com o sistema economia solidária e, em particular, no campo em que se centra este texto, com os professores, alunos e funcionários da universidade (onde evidentemente o Cofecon deve seguir atuando), eles precisam ser cooptados.

Uma oportunidade para avançar nesse sentido é o XXV Congresso Brasileiro de Economia, a realizar-se em novembro, onde haverá uma mesa organizada pelo Cofecon em que pela primeira vez se conseguirá divulgar o tema da ES no âmbito dos economistas mais destacados. Como providência passível de ser encaminhada em seguida me arrisco a sugerir que ele envie um documento aos dirigentes políticos que demonstraram no passado simpatia com a ES solicitando que sugiram providências no sentido de alteração da agenda.

sábado, 28 de outubro de 2023

A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E SUAS CONEXÕES COM A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA

Palestra da:

Profa. Dr. Raquel Moraes – PPG Educação – Faculdade de Educação - UnB

III Simpóstio Internacional de Estudos em Ciência , Tecnologia e Sociedade na UnB, XI Sessão.

 

Acessar aqui

Dossiê Paulo Freire

Dossiê Paulo Freire: Um projeto-piloto de alfabetização
de adultos – de Brasília para o Brasil
 

Raquel de Almeida Moraes
Eva Waisros Pereira
Maria Paula Vasconcelos Taunay
 

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.104.5562


Palavras-chave: alfabetização de adultos; Brasília (DF); Plano Nacional de Alfabetização; Paulo Freire; emancipação

Resumo
O presente artigo resulta de investigação relativa à experiência de alfabetização de adultos realizada em Brasília nos seus primórdios. Iniciada em 1963, sob a coordenação de Paulo Freire, essa experiência constituiu o embrião do Programa Nacional de Alfabetização (PNA), proposto pelo governo João  Goulart. A pesquisa que serve de base para este estudo se desenvolveu mediante análise documental, orientada pela concepção crítica do método historiográfico. Os dados obtidos dialogam com os  coletados no “Dossiê Paulo Freire”, concedido pela professora Maria de Souza Duarte ao acervo do  Museu da Educação do Distrito Federal. Esse dossiê é composto por uma coleção de fotografias dos  primeiros círculos de cultura em Brasília, bem como de reuniões das autoridades, de âmbito federal, responsáveis pelo PNA, além de documentos textuais relacionados ao objeto investigado. A riqueza de  dados encontrados sobre Paulo Freire demonstra a importância de sua passagem pela nova capital e o caráter emancipador do projeto de alfabetização. A abrupta interrupção da experiência, pelo golpe de 1964, impediu a continuidade das políticas públicas de alfabetização de adultos em curso no Brasil e  impôs o apagamento da presença do educador na capital do País durante a Ditadura Militar. 

Palavras-chave: alfabetização de adultos; Brasília (DF); Plano Nacional de Alfabetização;
Paulo Freire; emancipação.

REVISTA BRASILEIRA DE
ESTUDOS PEDAGÓGICOS
■ ESTUDOS

 11-15 Rev. bras. Estud. pedagog., Brasília, v. 104, e5562, 2023.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Paulo Freire e as Tecnologias Digitais

 

 

Palavras-chave

Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
Educação
Paulo Freire

Como Citar

VIEIRA, M. de F. Pedagogia de Paulo Freire e Tecnologias Digitais na Educação: uma construção possível . Tecnologias, Sociedade e Conhecimento, Campinas, SP, v. 8, n. 2, p. 25–47, 2021. DOI: 10.20396/tsc.v8i2.15932. Disponível em: https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/tsc/article/view/15932. Acesso em: 26 out. 2023.

Resumo

Paulo Freire, o Patrono da Educação Brasileira, sempre fomentou o uso das tecnologias digitais na educação, reconhecendo as demandas da sociedade contemporânea e as potencialidades dos recursos tecnológicos. Este artigo busca refletir sobre como a pedagogia desenvolvida por Paulo Freire vem sendo incorporada nos estudos realizados pela Comunidade Brasileira de Informática na Educação, a partir de uma revisão sistemática de literatura das produções científicas publicadas na revista Tecnologias, Sociedade e Conhecimento e no Portal de publicações da Comissão Especial de Informática na Educação. Grande parte dos estudos preocupa-se com questões de cunho humanista, com a profundidade e extensão das relações humanas como essenciais à construção de uma pedagogia autônoma e problematizadora, com o pensar crítico do educando-educador, e com o caráter autônomo e crítico do aprendiz, entre outras questões intensamente defendidas por

 Acesse o artigo na íntegra em:

https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/tsc/article/view/15932

 


terça-feira, 24 de outubro de 2023

A educação na periferia do capitalismo. Renato Dagnino

 

A educação na periferia do capitalismo: construindo um novo pacto[1]

Um pouco da roda de conversa:

Parte 1

Parte 2

Renato Dagnino

Este texto adota um enfoque limitado aos condicionantes socioeconômicos da policy e da politics relacionados à produção do conhecimento. Aqueles que dão origem àquilo que eu costumo enfeixar, por reconhecer a forma entrelaçada como elas estão sendo cada vez mais no mundo inteiro elaboradas, mediante o conceito de política cognitiva: as políticas de Educação e Ciência e Tecnologia.

E está centrado nas implicações que têm sobre a política cognitiva os valores, interesses e comportamentos das classes proprietária e trabalhadora e no modo como se constitui entre elas um pacto, intermediado pelo Estado capitalista, acerca da educação. A respeito dessa categorização dicotômica, binária, simplista e para muitos ultrapassada, esclareço que sua adoção é, mais do que suficiente, necessária para elucidar aqueles condicionantes.

Privilegiando os valores e interesses dessa última, o texto encaminha a análise no sentido da concepção de um novo pacto coerente com um projeto societário “para além do capital”.

Seu percurso, usual na tradição intelectual crítica que tem lugar na periferia do capitalismo, trata, primeiro e exemplarmente, a maneira como aqueles condicionantes se manifestam nos países centrais (ou no Norte Global). Depois, analisa a maneira como o pacto lá estabelecido vai se instituindo, submetido às especificidades do contexto periférico e, particularmente, brasileiro.

Também em consonância com essa tradição, o texto possui um caráter francamente normativo. Por estar ancorado na experiência histórica e nos anseios dos atores sociais subalternos e orientado para a sua consecução, ele aponta aos governantes progressistas que ocupam o aparelho de Estado um caminho para a constituição de um novo pacto tendo como referência os valores e interesses da economia solidária. 

 

Um pouco da história dos países centrais

Lá, a política cognitiva esteve sempre pautada por um pacto entre a classe proprietária e a classe trabalhadora que tendeu a mascarar o caráter antagônico dos seus interesses e valores.

Complementando aquelas anotações iniciais, indico que este texto se organiza em torno de considerações a respeito de como se estabeleceu e evoluiu este pacto, de como ele se encontra hoje fragilizado e de como cabe à classe trabalhadora formular sua proposta orientada para uma educação “para além do capital”.

Para a consolidação do capitalismo foi logo necessário proporcionar aos trabalhadores o tipo de habilidade que a empresa demandava para satisfazer velhas necessidades, de outras formas, e ir criando outras que se apresentavam lucrativas. Aquela orientada a operar as inovações introduzidas no processo de trabalho que ela controla e que, por isto, lhe permitem contrabalançar a pressão dos trabalhadores pela redução da jornada e o aumento do salário.

O fato de que o aumento de produtividade do trabalho possibilitado pelas inovações não precisava ser compartilhado com os trabalhadores com um aumento de salário tornou a empresa dos países centrais, amparada pelos múltiplos subsídios concedidos pelo “seu” Estado, um “motor de inovação”.

À classe trabalhadora, desprovida dos meios de produção, obrigada a vender sua força de trabalho (esta mercadoria que, sendo a única que ele possui, é também a única que adiciona valor ao produto) e sem amparo para organizar arranjos de produção e consumo autônomos, restavam poucas alternativas.

Para evitar que a marcha desse “motor” a deixasse “para trás”, e defender sua sobrevivência, ela foi obrigada a aceitar um processo de contínua e empobrecedora “qualificação”; teve que se adaptar às mudanças cognitivas que ele impunha. Elas implicavam a expropriação do conhecimento tácito por ela dominado, sua paulatina codificação nas universidades capitalistas de modo a impedir sua desapropriação e, como os meios de produção, transformado em propriedade privada crescentemente monopolizada.

Caracterizava este pacto um “cercamento”, no âmbito cognitivo, do que, no âmbito material, o capitalismo inerentemente provoca. Não obstante, o validavam, entre outros fatores, as oportunidades do assalariamento associada à consolidação do projeto capitalista de organização da sociedade ocidental. Havia a expectativa de um futuro melhor para a classe trabalhadora que contrastava com a brutalidade feudal e com a ameaça de exclusão social que o marco inicial desse processo, a chamada revolução industrial, havia deixado.

As iniciativas que desde o final do século XIX procuraram capacitar a classe trabalhadora, ou estender a ela o conhecimento da classe proprietária no sentido de, ingenuamente, promover uma apropriação para liberá-la da opressão, foram sempre escassas. Mais ainda foram aquelas que visaram a se contrapor àquele conhecimento gerado pela classe proprietária, “seu” Estado, e suas empresas.

A interpretação potencializada pelo processo de construção do socialismo soviético, de que seria o desenvolvimento linear inexorável das forças produtivas o que, ao tensionar as relações sociais de produção, levaria a modos de produção cada vez melhores, predominou no âmbito da esquerda marxista e, por inclusão, no movimento sindical.

Permaneceu intocado o dogma “transideológico” de que existiria uma ciência verdadeira, intrinsecamente boa, universal e neutra (no sentido de ser funcional para qualquer projeto político) e uma tecnologia, que poderia aplicá-la para o bem ou para o mal. E que bastaria a apropriação pela classe trabalhadora do conhecimento científico e tecnológico  - as forças produtivas que estavam momentaneamente sendo usadas a serviço do capital  - para que ela pudesse construir o socialismo.

Essa situação inibiu o surgimento de uma visão crítica que percebesse a artificialidade a-histórica e ideologicamente construída pelo capital em seu benefício do apartamento ciência-tecnologia e, entendendo a tecnociência como um conceito primitivo, permitisse o questionamento da neutralidade e do determinismo. E que, ao compreender o caráter de construção social da tecnociência que implicava que em seu processo de desenvolvimento ela estaria sempre contaminada com os interesses e valores dominantes no contexto, propusesse a adequação sociotécnica  da tecnociência capitalista na direção de uma tecnociência funcional ao projeto político da classe trabalhadora.

Assim, embora o projeto capitalista estivesse sendo seriamente contestado e apesar da ameaça que representava socialismo, não ocorreu, por parte da classe trabalhadora, um questionamento do pacto da educação. Embora a transição para o socialismo soviético estivesse gestando um novo tipo de educação mais coerente com os interesses da classe trabalhadora, o modo como ela estava ocorrendo, circunscrito e limitado - por razões táticas internas e pelas pressões externas -, não chegou a despertar a classe trabalhadora dos países capitalistas para a concepção de uma alternativa.

Embora tenham surgido iniciativas revolucionárias de conscientização através da educação para impulsionar a transformação de “classe em si” para “classe para si”, elas não chegaram a formular propostas capazes de incidir no modo como se organizava a produção e circulação de bens e serviços. Em consequência, essas iniciativas tampouco resultaram em movimentos capazes de conduzir a propostas que levassem à configuração de um novo pacto com a classe proprietária.

Resumindo: o comportamento da classe trabalhadora não foi apenas reativo, no sentido de que tenha privilegiado a defesa dos interesses imediatos que possuía sob a égide do capital. Ele também não foi proativo no sentido de conceber o conhecimento que seria necessário para uma formação social que pudesse situar-se “para além do capital”.

 

A conjuntura atual nos países centrais

O momento que vive o capitalismo nos países centrais parece estar inviabilizando a manutenção desse pacto. Ele se encontra cada vez mais fragilizado pela dinâmica do capitalismo ultra neoliberal que ao mesmo tempo enfraquece a capacidade regulatória do Estado e, inextricavelmente, combina aspectos de natureza geopolítica, econômica, social e tecnocientífica que reforçam os privilégios da classe proprietária.

Não obstante, as condições objetivas engendrados por essa dinâmica, ao tempo que acirram as contradições de classe existentes, parecem apontar rumos para sua superação.

Analisando o “lado” da classe proprietária, vale ressaltar três aspectos.

No nível individual estrito, do seu negócio, a empresa, mesmo que se dispusesse fazê-lo, é incapaz de internalizar as externalidades negativas nas esferas ambiental, econômica e social que de modo genocida ela vem causando a todos os que habitam este planeta. Aquela empresa que o fizer, contrariando a lógica atomizada e intrinsecamente egoísta que a rege, será excluída do mercado por não conseguir transferir seu maior custo de produção ao preço. Portanto, leitora e leitor, deixemo-nos de ilusões!

Não obstante, no nível coletivo, em que a classe proprietária atua como classe, são cada vez mais frequentes declarações de que seria aceitável um aumento do imposto sobre a renda e a riqueza e a adoção de “moratórias” relacionadas às externalidades negativas causadas por desenvolvimentos tecnocientíficos que ameaçam a manutenção dos seus negócios.

Mas é no nível das “suas” organizações não-governamentais e supranacionais que estão ocorrendo as manifestações mais significativas para investigar as características que poderia assumir o novo pacto interclassista em torno da política cognitiva e, em particular, da educação.

O exemplo mais recente é a declaração da ONU acerca da urgente necessidade de que sejam fomentados novos arranjos econômicos-produtivos e de consumo (enfeixados naquilo que no Brasil chamamos de economia solidária) para enfrentar as crises sociais e ambientais.

Retomando o assunto que interessa mais de perto, o da análise do conhecimento em desenvolvimento, importa destacar que a pesquisa tecnocientífica de viés empresarial, realizada majoritariamente nos conglomerados transnacionais sempre com maciço financiamento público, não tem sido capaz de evitar o desastre que estamos presenciando nas esferas ambiental, econômica e social. Como digo aos meus alunos da disciplina de Ciência Tecnologia e Sociedade, a Tecnociência Capitalista incorre em sete pecados capitais: deterioração programada, obsolescência planejada, desempenho ilusório, consumismo exacerbado, degradação ambiental, adoecimento sistêmico e sofrimento psíquico

No que se refere particularmente à educação, a classe proprietária não tem como propor nenhuma mudança significativa a não ser ações pontuais para preencher lacunas de oferta de mão-de-obra causadas pela própria dinâmica geopolítica, econômica, social e tecnocientífica do capitalismo ultra neoliberal. Sem falar nas propostas amorais relacionadas à privatização da educação…

Analisando o “lado” da classe trabalhadora, as ações tradicionais de caráter reativo, até mesmo por estarem concentradas na defesa dos interesses dos formalmente empregados, têm apresentado eficácia claramente decrescente como resultado do fortalecimento dessa dinâmica ultra neoliberal.

Embora seja cada vez maior a parcela da classe trabalhadora “não empregável”, e apesar do crescimento das iniciativas europeias visando à criação de cooperativas, é ainda muito escassa a elaboração teórica necessária para viabilizar medidas de política cognitiva para promover a implementação de arranjos alternativos de produção e consumo. Como resultado do maior poder dos trabalhadores formais e sindicalizados que conservam alguma capacidade de organização e vocalização, não tem ocorrido uma valorização da produção e disseminação de conhecimento para apoiar aquelas iniciativas associadas ao cooperativismo. Têm dificultado as esacassas atividades realizadas nas instituições de ensino e pesquisa com vistas a atender os interesses da classe trabalhadora a crescente alocação dos recursos públicos à P&D empresarial.

Embora venha crescendo entre os trabalhadores situados nessas instituições a percepção de que a Tecnociência Capitalista, desenvolvida pela e para a empresa, não é adequada para a sucesso daqueles arranjos alternativos, e de que é necessário reprojetá-la na direção da Tecnociência Solidária, são insignificantes as tentativas de mudança das suas agendas de ensino, pesquisa e extensão. Ainda menos significativas são as atividades de adequação sociotécnica da Tecnociência Capitalista na direção da Tecnociência Solidária realizadas nessas instituições em conjunto com os trabalhadores associados a esses arranjos.

Termino este ponto com uma brevíssima análise da correlação de forças que permita prospectar um futuro desejável e, investigar a possibilidade de gestação de um novo pacto.

As contradições do capitalismo ultra neoliberal, a virtual impossibilidade de manutenção do tipo de organização da produção e do consumo que ele adota e, em especial, as implicações do desenvolvimento tecnocientífico a ele associado para a classe trabalhadora, fragilizam a capacidade propositiva da classe proprietária. Não obstante, manifestações da classe trabalhadora que surgem em muitos lugares contra os diferentes aspectos negativos e opressores do ultra neoliberalismo estão apontando, ainda que por negação, para a construção, na esfera cognitiva, de um cenário “para além do capital”.

À medida que a classe trabalhadora for formulando um novo projeto societário, a economia solidária surgirá como seu elemento central. Por representar mais do que uma utopia a ser construída, uma proposta concreta de transformação das relações sociais de produção baseada na propriedade coletiva dos meios de produção e na autogestão, ela se irá materializando mediante políticas públicas voltadas à sua expansão e consolidação. A reorientação da política cognitiva, dada sua importância como política-meio que confere viabilidade para muitas outras políticas-fim, terá que ser por antecipação concebida de acordo com os valores e interesses da classe trabalhadora.

É nesse processo que irá surgir uma proposta de educação aderente ao objetivo de consolidação da economia solidária. E será a partir dela que a classe trabalhadora irá negociar um novo pacto pela educação com a classe proprietária.

 

Um pouco da história da periferia brasileira  

Historicamente, na periferia do capitalismo, o pacto em torno da política cognitiva e, particularmente, da educação, adquiriu especificidades.

A primeira, tem a ver com o modo como se deu a conquista e o saqueio do território (o que ficou conhecido pelo eufemismo “colonização”). Ele esteve desde o início marcado pela extração predatória de bens naturais  - característica que hoje vai sendo mundialmente denunciada  -  e pela exploração igualmente selvagem de trabalho vivo (mais-valia) com a escravização dos indígenas, a expropriação da sua terra, e o extermínio da maioria que não se deixava subjugar (estima-se que haveria de 5 a 8 milhões e que no final do século 19 restavam menos de 500 mil). E, logo em seguida, com o comércio de pessoas escravizadas provenientes do continente africano (o que ficou conhecido pelo eufemismo “tráfico negreiro”).

As relações sociais de produção, que beneficiavam internamente os que produziam na periferia os bens consumidos no centro, onde já se expandia a extração de mais-valia relativa, estiveram centradas na exploração da mais-valia absoluta. Foi dessa forma que a classe proprietária adquiriu o costume de auferir elevado lucro pela sua atividade que até hoje conserva. Sobre o associado à extração da prata e o ouro que da América hispânica, todos sabemos. Conhecemos pouco sobre o que foi a produção das “esquisitices” realizada com um custo extremamente baixo pelos conquistadores ainda recém chegados e que eram vendidas a preço “internacional” a seus parentes que lá ficaram. Com elevadas “eficiência” e lucratividade, eles iniciaram o primeiro complexo mundial de agronegócio. De elevados requisitos cognitivos e envolvendo alta complexidade logística a produção de açúcar de cana foi responsável pela fundação de nossa atividade econômica.

Bem mais tarde, com a produção do café, foi montada uma infraestrutura logística ainda mais sofisticada e custosa. Tecnologias (ou complexos sociotécnicos) como a ferroviária, portuária, de energia e comunicação, que estavam emergindo na Inglaterra não foram aqui apropriadas seguindo uma estratégia cognitivamente mais adequada como a que ocorriam em países da Europa que também “substituíam importações”. O fato de terem sido simplesmente compradas é um indicio de que nossa classe proprietária considerava ser este era o modo mais lucrativo de internar esses complexos sociotécnicos ao negócio que compartilhavam com seus parentes. 

Não me parece adequado considerar que teria sido uma divisão internacional do trabalho imposta pelos “egoístas, usurpadores e malvados” capitalistas da metrópole o que teria obrigado os “explorados e submetidos” a se especializarem na produção de matérias-primas e se submeterem à importação de manufaturas. O “intercâmbio desigual” que se estabelece entre os conquistadores que aqui operaram e seus sócios que lá ficaram era um negócio que permitia lucros extraordinários aos dois lados daqueles que patrocinavam a conquista.

Todos sabemos da enorme quantidade de ouro, prata e outras mercadorias que os conquistadores que para cá vieram proporcionaram aos seus parentes que lá ficaram, e de sua importância, em especial quando trocaram de mãos, para a consolidação do capitalismo. E, também, de como a mais-valia gerada na periferia foi sendo transferida para o centro mediante os mutantes mecanismos que caracterizam o “intercâmbio desigual”. Não obstante, o fato de que não parece ter havido uma significativa diferença na qualidade da vida que levavam, pode ser um indício de que a lucratividade nas duas pontas do negócio em que se envolviam esses parentes era semelhante. Como estou longe de pretender revisitar a nossa história, me atrevo a provocar quem a isto se disponha com o que escrevi num artigo recente: “não é preciso ser economista para perceber que se temos aqui a maior taxa de juros do mundo e ainda se produz um alfinete brasileiro é porque nossa taxa de lucro é também a maior do mundo”.

Essa característica do capitalismo nascente, que beneficiava com vantagem os europeus e as primeiras gerações de proprietários brasileiros, levou a que as relações de produção tipicamente capitalistas, baseadas na exploração da mais -valia relativa que a inovação e o aumento da produtividade do trabalho possibilitavam no centro do sistema, só viessem a aparecer por aqui muito mais tarde. Isso só ocorreu, ainda que sem substituir aquelas baseadas na exploração da mais-valia absoluta, quando aqui se difunde o padrão de organização da produção e do consumo da empresa dos países centrais.

Por várias razões que não vou relembrar aqui, a formação econômico-social periférica se caracteriza por uma significativa dependência em relação aos países centrais. Nossa dependência cultural engendra um mercado interno imitativo. Sua demanda tende a fazer com que a empresa aqui localizada produza bens e serviços (especialmente os industriais) muito semelhantes àqueles fabricados nos países centrais.

Nosso processo de industrialização via substituição de importações visava, justamente, a satisfazer a demanda da classe proprietária pelos bens que ela importava mediante os recursos que recebia das exportações que fazia. Embora tenham havido brotes industriais em várias partes do território, o que mostra que não existia um impedimento para tanto e sim um acurado cálculo de rentabilidade, esse processo só se intensificou em função das crises e guerras ocorridas nos países centrais que dificultavam a importação de manufaturas.

Sua transformação num “modelo” que passou a condicionar o conjunto das políticas públicas nacionais foi desencadeada por uma simples leitura da classe proprietária da balança comercial do País que mostrava uma deterioração dos termos de troca. Ao contrário do que seria adequado e do que fizeram suas congêneres em outras latitudes, as características de nossa industrialização não decorreram de uma avaliação acerca da melhor forma de aproveitar nossas potenciais vantagens comparativas naturais e humanas. Nacionalistas bem intencionados que até hoje denunciam o fato de não haver uma “agregação de valor” às commodities teriam que perceber que isso se trata de um irrepreensível comportamento economicamente racional.

Numa articulação que contou com a poderosa participação do capital estrangeiro, com seus interesses e oferendas historicamente cambiantes, ocupou o centro dinâmico desse “modelo” o estado de São Paulo. Espaço capitalista dos negócios que, por ser beneficiado com uma reserva de mercado para suas manufaturas, transformou o resto do nosso território numa “periferia da periferia” fornecedora, inclusive, de força de trabalho barata.

Depois da escravizações indígena e africana e da importação dos europeus famintos expulsos em função do novo modo de expansão capitalista baseado na extração de mais-valia relativa, nossa classe proprietária concebeu um outro “exército pré-industrial de reserva”. Agora recoberta por um verniz mais capitalista, dado que industrializante, engendrou um outro canal de suprimento de trabalhadores pouco exigentes e de baixo preço. Ele não implicava, como veio a ocorrer nos países centrais, na emigração de pobres vindos das ex-colônias; aqueles que hoje, depois de alavancar seus negócios, “criam problemas” para o funcionamento de suas economias.

No que se chamava Região Norte e, particularmente no que depois se denominou Nordeste, a fração “atrasada” e oligárquica da classe proprietária ia grilando a terra indígena e concentrando a terra. Tendo isso como matriz, conviveu, principalmente aí, mas no território como um todo, um processo reiterado em que famílias de camponeses que produziam alimentos eram empurradas para o oeste e, depois de desbravadas, tinham suas terras expropriadas pelo latifúndio que ocupava a ponta local daquele negócio internacional.

O desenvolvimento urbano industrial, que se acelera a parir da quinta década do século passado, potencializou esse processo pelo lado da demanda de força de trabalho. Seu resultado foi o deslocamento, quase que forçado e concentrado nas zonas mais degradadas das cidades, de mais de 40 milhões de pessoas (só entre 1975 e 2017). Assim, através de expedientes como o que ficou conhecido como “indústria da seca” foi sendo preparado o terreno para o que viria a ser a selvagem expansão do agronegócio e da exploração mineral.

No “sul maravilha” a fração “moderna” e industrial recebia os trabalhadores expelidos que passavam a desempenhar as tarefas que o modelo de industrialização exigia. Embora imitativo, multinacionalizado e pouco intensivo em capacitação tecnológica, ele era muito vantajoso para os interesses desta fração, haja vista a cobertura, intensidade e velocidade de implantação que o caracterizou. A outra, a fração “atrasada” e oligárquica, através das articulações políticas que se estabeleciam no âmbito do estilo nacional desenvolvimentista do nosso Estado, que perpassou períodos civis e militares, nunca deixaram de receber seu quinhão.

Isso tudo que escrevi acima não significa que eu desconheça ou não aceite a evidência de que a classe proprietária dos países centrais e, claro que em menor medida, a sua classe trabalhadora, não tenham se beneficiado de nossa condição periférica e de sua contraparte, o imperialismo. E que isso se deu no âmbito de uma divisão internacional do trabalho em que cabia aos, primeiramente, conquistadores a produção de bens primários com escasso conhecimento tecnocientífico localmente gerado. E que, aos seus parentes, cabia a produção de bens e serviços com uma intensidade continuamente crescente de conhecimento lá engenheirado e que, como eram adaptados ao caráter imitativo (dado que culturalmente dependente) do estilo de desenvolvimento periférico, eram também aqui produzidos.

O que sim quero dizer é que não me parece correto, embora seja frequente, interpretar essa situação como algo prejudicial ao conjunto dos habitantes de cada país periférico. Isso porque a compreensão de que suas classes proprietárias se beneficiaram da “oportunidade de negócio” proporcionada por essa situação, e que este benefício nunca “transbordou” para a classe trabalhadora, é essencial para uma correta análise da política cognitiva.

O efeito conjunto da dependência cultural, desse modelo de desenvolvimento desigual e combinado, da pressão do mercado para a adoção de tecnologia proveniente dos países centrais, da relativa escassez (ou subutilização) da capacidade tecnocientífica nacional, do poder econômico e político, e das vantagens auferidas pelas multinacionais, e de sua penetração no tecido produtivo local, condiciona de modo profundo as atividades concernentes à política cognitiva. O fato de que seja economicamente irracional desenvolver internamente conhecimento tecnocientífico para produzir algo demandado pelo mercado interno imitativo, de que os bens e serviços que aqui geram o lucro das empresas já foi engenheirado alhures, é fundamental.

O que se verifica, devido também a uma muito menor remuneração da mão-de-obra existente na periferia, é que a empresa que aqui opera, seja nacional ou estrangeira, assuma um comportamento inovativo claramente reflexo. Imitativo, caudatário e relativamente modesto, ele realimenta a tendência primário-exportadora e rentista de nossa classe proprietária que, encerrando o ciclo da industrialização via substituição de importações promoveu a desindustrialização do País. Como não precisa efetivamente inovar, a empresa pode lucrar sem ter que se preocupar em “desviar” o recurso público que recebem para que seus empregados (ou terceirizados) se “qualifiquem”.

O modo como os aspectos socioeconômicos e políticos que privilegio nesta análise condiciona a educação passa também pelo reconhecimento de que nossa política cognitiva, muito mais do que nos países de capitalismo avançado, tem sido orientada pela nossa elite científica. É ela que “diz” o que é uma criança que entra no jardim de infância deve ir aprendendo para poder passar no vestibular de uma universidade pública. É ela que define, em última instância e por default, devido à nossa condição periférica que faz com que outros atores pouco participem na elaboração desta política, as características do nosso pacto da educação.

As “antenas” dessa elite científica estiveram sempre, dada a nossa condição periférica, orientadas pelo que fazem seus pares dos países centrais. É ali que se origina o saber que “cultuam” nas instituições que, como um enclave, foram  - à imagem e semelhança - aqui criadas.

Como consequência da adoção de agendas de ensino, pesquisa e extensão de lá provenientes, demandas cognitivas (ou tecnocientíficas) embutidas em muitas das necessidades coletivas por bens e serviços, especialmente aquelas da classe trabalhadora que permanecem desatendidas, permanecem inexploradas.

Entre os muitos exemplos vale citar a situação que ocorreu quando a expropriação da terra dos pequenos agricultores produtores de alimentos e do Estado incitou o latifúndio a potencializar o agronegócio. Ao mesmo tempo que aqueles passaram a ter suas demandas cognitivas desatendidas devido ao desmantelamento da extensão rural, foi criada no início dos anos setenta uma complexa e capilarizada estrutura de geração e difusão de conhecimento para atender ao objetivo de acumulação da classe proprietária.

Entre outros, esse exemplo serve para mostrar que a em todo o mundo baixa propensão da empresa a realizar pesquisa pode ser, também na periferia, contrapesada. De fato, cada vez que um segmento da classe proprietária dotado de poder político ou econômico, tinha, incorporado em seu projeto político, uma demanda por conhecimento novo ou dificilmente obtenível, foi possível, claro que através do “seu Estado”, desenvolvê-lo. Serve também para argumentar que devido à sua alta complexidade e originalidade, as demandas tecnocientíficas embutidas nas necessidades coletivas desatendidas, poderiam gerar um círculo virtuoso de ocupação da capacidade subutilizada de nossas instituições de ensino e pesquisa e de sua expansão e legitimação social.

Retomando o parágrafo que se iniciava com “O que sim quero dizer...”, e salientando que o faço muito de passagem, já que aprofundar o argumento me afastaria do assunto deste texto, é que pouco se deve hoje esperar da propensão de nossa classe proprietária para aproveitar os favores governamentais que desde sempre recebeu para adotar o comportamento “virtuoso” que caracteriza suas congêneres dos países centrais. Políticas orientadas a torná-la competitiva via agregação de valor às commodities, a facilitar sua adesão a uma transição energética ou à adoção de comportamentos socioambientalmente sustentáveis, etc., dificilmente encontrarão sucesso.

Concluindo essa parte, é importante salientar que, ao contrário do que ocorreu nos países centrais, a vigência do pacto da educação não teve como resultado uma situação minimamente favorável à classe trabalhadora. Em função das características que assumiu nossa formação social capitalista, o pacto aqui estabelecido não apresentou nem mesmo os limitados benefícios lá alcançados.

A constatação de que o fraco “desempenho” da nossa educação, sobretudo quando avaliada segundo os indicadores dos países centrais, é consequência do fato de ela, sendo como é, corresponder às necessidades cognitivas demandadas pela classe proprietária, me leva a tomar emprestado uma das frases lapidares de Darcy Ribeiro: “A crise da educação no Brasil não é uma crise: é projeto”.

 

Preparando um novo pacto para a educação brasileira

Tendo delineado no final da seção “A conjuntura atual nos países centrais” as características do cenário desejável, o novo projeto societário, o papel que dentro dele irá assumir a economia solidária e como, a partir de sua implantação, se irá gestando uma proposta a ser negociada com a classe proprietária para o estabelecimento de um novo pacto, faço agora menção a mais alguns aspectos de nossa realidade. Apesar da importância de fazê-lo, visto que é assim que se pode conceber ações, o faço de forma muito sintética uma vez que tenho escrito bastante sobre isso na mídia de esquerda.

No que se refere aos aspectos socioeconômicos e políticos que simplificadamente entendo como condicionantes da evolução que terá o pacto, estão presentes na cena brasileira duas estratégias que, embora não excludentes, delimitam cursos de ação bem distintos em termos, entre outras, da política cognitiva.

De um lado, encontra-se a estratégia do “emprego e salário” baseada no estímulo à atividade empresarial para geração de crescimento econômico. Muito alinhada com o nacional-desenvolvimentismo que por décadas orientou nossa política pública, e apesar de ter sido relativamente bem sucedida 20 anos atrás, ela é crescentemente considerada insuficiente para combater o legado de iniquidade, injustiça e degradação ambiental que recebeu o atual governo de esquerda.

Inspirada nas experiências de “revolução industriosa” e no potencial de geração de desenvolvimento da economia solidária, ganha força a estratégia do “trabalho e renda”. Sem pretender exclusividade e compreendendo que a relação de forças manterá o privilegiamento da “reindustrialização empresarial” e a captura privada do poder de compra do Estado, seus partidários ressaltam a conveniência de complementar, através da proposta da “reindustrialização solidária”, a estratégia do “emprego e salário”.

Entre seus argumentos, apontam que dos 180 milhões de brasileiras e brasileiros em idade de trabalhar e que que constituem a nossa classe trabalhadora, apenas 30 têm carteira assinada”; e que existem 80 que nunca tiveram e provavelmente nunca terão emprego.

E chamam a atenção para a experiência histórica internacional dos governos de esquerda que fracassaram na implementação de suas políticas socializantes. A dedicação desses governos em fazer funcionar o Estado e a economia capitalistas para obter recursos para custear a reorientação da política teria sido uma das causas históricas do seu insucesso.

Para evitar que as políticas sociais se tornem reféns do bom funcionamento do capitalismo e possam reconstruir a democracia, dizem, semelhantemente ao que vem ocorrendo no Norte, ser necessário outra governança que fomente arranjos produtivos e de consumo baseados na propriedade coletiva dos meios de produção, na solidariedade e na autogestão.

Partindo da constatação de que a desindustrialização foi uma opção de nossa classe proprietária, de que o fomento da inserção de suas empresas no mercado global implica privilégios desmedidos, e de que estas não se interessam pelo nosso potencial de conhecimento tecnocientífico, os partidários da estratégia “do trabalho e renda” e da proposta da “reindustrialização solidária” defendem uma radical reorientação da política cognitiva.

Para isso, para que seja possível atender aquelas demandas cognitivas embutidos nas necessidades materiais coletivas insatisfeitas, propõem que a elaboração da política cognitiva incorpore, além da elite científica (cujas “antenas” tenderão a seguir orientadas para o Norte), um ator até agora pouco escutado. Esse ator, as trabalhadoras e trabalhadores do conhecimento, que atuam na docência, pesquisa, planejamento e gestão da política cognitiva é o que detém nosso significativo e crescente potencial tecnocientífico.

Por ser o efetivamente responsável pela sua operacionalização, esse ator é o que poderá promover a reorientação necessária. Isso por ser, por um lado, o que melhor poderá identificar aquelas necessidades por bens e serviços e decodificá-las como demandas tecnocientíficas (muitas delas de evidente originalidade e elevada complexidade), e “trazê-las” para o ambiente onde se definem as agendas de ensino, pesquisa e extensão de nossas instituições. E, por outro, o que melhor poderá representar o interesse público junto ao governo e aos demais atores envolvidos com a política cognitiva.

Concluindo, só resta dizer que o caminho que me parece mais adequado está assinalado. As condições para que ele seja de imediato trilhado estão dadas.

Entre elas, chamo a atenção para uma auspiciosa convergência. Muitas daquelas trabalhadoras e trabalhadores do conhecimento defendem a estratégia do “trabalho renda” e a proposta da “reindustrialização solidária”. E defendem também que a política cognitiva esteja solidamente ligada aos interesses e valores da classe trabalhadora.

Tudo isso implica que, de imediato, nossa educação deva estar focada no atendimento às demandas cognitiva da economia solidária. É elevada sua capacidade de acumulação de forças políticas e, muito importante no prazo imediato, de fiança de governabilidade para o atual governo. É a partir do potencial do conhecimento que possuem seus integrantes que se irá gestar o novo pac


[1] Este texto é uma versão revisada e ampliada do publicado em https://outraspalavras.net/outrasmidias/a-educacao-funcional-esta-em-crise-que-ocupara-seu-lugar/.